Nós conversamos com o JP Amaral, gestor ambiental do programa Criança e Consumo do Instituto Alana.  O Instituto é referência nacional no advocacy pelos direitos da criança . O Criança e Consumo existe há 14 anos e foi esse programa que desenvolveu a pesquisa “Infância Plastificada: O impacto da publicidade infantil de brinquedos plásticos na saúde de crianças e no ambiente“.

A pesquisa é pioneira no mundo por apresentar dados inéditos sobre o efeito “publicidade-desejo-consumo-descarte”. Ela propõe investigar a relação entre a publicidade infantil realizada pela indústria de brinquedos e os impactos do consumo desses produtos de plástico na saúde das crianças e do meio ambiente. A pesquisa foi feita junto com especialistas em plástico (químicos) e educadores da Universidade Federal de São Carlos, a UFscar.

Lembrando que publicidade infantil é proibida no Brasil, mas ainda existe de várias formas. Vamos falar sobre elas.

O JP começou nos fazendo um convite, “Nomeie um brinquedo da sua infância. Agora nomeie 100.” É uma provocação para trazer a questão do excesso durante a infância. Um brinquedo marca uma vida, cem brinquedos não. A infância de hoje está muito marcada pelos excessos, tão prejudiciais a criança, que perde referências de valor, de cuidado e de escassez.

Qual a relação dos brinquedos de plástico com os impactos ambientais?

90% de todos os brinquedos do mundo tem alguma parte de plástico.  Esse dado veio da pesquisa e trouxe um alarde muito grande, pois nós estamos vivendo uma crise de poluição de plástico e a indústria dos brinquedos está contribuindo para ela.

Há de se levar em conta que tantos brinquedos e embalagens cheias de plástico e a forma como lidamos com elas pode ser tornar uma visão de mundo. A criança vive todo aquele excesso, depois não sabe para onde aquilo tudo está indo e quando vê já está inserida na cultura do descarte. Descarte para onde?

Para a reciclagem certamente não é. Apenas 1,5% do plástico do Brasil é reciclado, segundo a WWF Brasil e 9% do plástico no mundo, segundo a ONU. Mesmo com todo o cuidado da separação do lixo, cerca de 50% do lixo que chega nas cooperativas acaba indo para os aterros.

Mesmo enterrado nos aterros ou lixões, levando em conta que o plástico leva de 200 a 400 anos para se decompor,  ele continua na biosfera.

 

Você já parou para pensar que todos os brinquedos de plástico que você brincou na sua infância ainda estão por aí? Mais ainda: os brinquedos dos seus pais e avós também (os que eram de plástico certamente).

De 2018 até 2030 vamos ter gerado 1,38 milhões de toneladas de brinquedos plásticos só no Brasil. Para se ter uma referência melhor é como ter 170 mil caminhões de lixo enfileirados de São Paulo até Salvador. Quando se fala de embalagens, são mais de 500 mil toneladas de embalagens descartadas desses brinquedos. Lembrando que hoje não é comum ver nenhuma responsabilidade de logística reversa das empresas de brinquedos, o consumidor não devolve à marca, não há economia circular.

Alguns dados da pesquisa:

1.  O setor de brinquedos é o que mais faz publicidade infantil: 71% do marketing infantil é de brinquedos, principalmente no Youtube.
   Os youtubers-mirins, por exemplo, recebem das empresas kits de brinquedos para exibirem em seus canais, numa forma publicidade infantil velada. O “unboxing” , que significa “desencaixotar”, por exemplo é uma tendência no youtube. A experiência da surpresa ao abrir um pacote e encontrar algo novo é muito utilizada nesse nicho e de 2015 para 2016 cresceu 900%! Esse desembrulhar é a principal categoria de vídeos e quem busca em sua maioria são crianças.
   Dos 100 maiores canais brasileiros de Youtube mais de 50% são de criança ou para criança! Depois de assistir esses vídeos as crianças pedem o brinquedo para os pais.
2.  90% dos brinquedos do mundo tem partes de plástico. (Recomendamos o filme “The Story os Plastic” – a produção é muito danosa, na emissão de gases, contaminação das comunidades nos entornos, toda a produção).
3. Os brinquedos de plástico causam sérios impactos na saúde das crianças. A composição é PVC, aquele material usado principalmente nos canos. A questão é que para os PVCs se tornarem flexíveis para virar uma boneca, por exemplo, eles usam Ftalatos, um componente prejudicial à saúde, muito relacionado a câncer e outras questões hormonais nas crianças. É inclusiva uma substância proibida em muitos países por conta disso. Outra composição ruim dos brinquedos são os PCs, policarbonetos, existem em proporção menor e são repletos de Bisfenol A. É um componente que foi proibido nas mamadeiras, mas infelizmente ainda é permitido nos brinquedos. Também altamente tóxico. Outros substitutos dele, que são menos tóxicos porém também ruins são os BPFs, já foram encontrados na urina de crianças em estudos.

* O contato desse produto com a criança vai desde o cheirinho “gostoso” do brinquedo, que já pode ser a química sendo eliminada, ou quando a criança coloca o brinquedo na boca.

Quem imaginava que nem brinquedos são seguros?

A pesquisa usou dois cases bastante marcantes:

• A boneca LOL Surprise: a boneca é uma supresa colecionável, tem 7cm de plástico e são cinco camadas de plástico para ir “descascando”. São muitas embalagens com elementos como sapatos, mamadeiras e a pilha de plástico é enorme. Ela foi lançada em 2016 e já gerou plásticos suficientes para dar 24 voltas em torno da Terra! Isso de 2016 a 2018, quer dizer, soma mais dois anos disso. No youtube há milhares de youtubers mirins fazendo o unboxing. Leia uma matéria do Estadão a respeito aqui.
• Mc Lanche Feliz: Muitas famílias fazem alimentação semanal com Mc Donalds. Existe um termo o “eatertainment”, ou seja, o entretenimento na alimentação, a estratégia de ter um lanche com um brinquedo para atrair a atenção. O Mc Donalds é o maior distribuidor de brinquedos do mundo (aliado a uma alimentação nada saudável).

Por que a publicidade infantil é proibida?

Existem vários estudos que mostram que a criança tem um poder muito grande de influência nas compras da casa. Nove a cada 10 pais sentem-se influenciados pela criança na decisão das compras domésticas. E quem disse que uma criança vai saber fazer as melhores escolhas para a casa?

Uma das consequência que temos hoje fruto da publicidade infantil é a obesidade e outros problemas relacionados a alimentação nessa faixa etária. Crianças veem na TV o salgadinho ou doce do super herói preferido delas e querem. Acontece que esses salgadinhos e doces são ultraprocessados, cheios de açúcar e ingredientes que fazem um mal danado à saúde. Também existe a questão da adultização precoce das crianças, a sexualização e outras questões. Manipular uma criança para obter dinheiro dos pais dela não é certo.

Por fim, seguem aqui algumas soluções bacanas para você que tem filhos, sobrinhos ou lida com crianças e não quer estar associada a esta realidade plastificada:

1. A maior indústria de brinquedos do mundo é a NATUREZA! Brincar ao ar livre, na natureza, traz muitos benefícios no desenvolvimento da criança no sentido cognitivo, social, intelectual. Existem muitos estudos que apontam o estímulo na criatividade, na imaginação e no estímulo da relação com a natureza.
2. Fazer feiras de trocas de brinquedos com parentes, amigos. As crianças trocam brinquedos que não usam mais por brinquedos que primos ou amigos não usam mais. Na festa da Manu de três anos a Mari avisou todos os convidados que os presentes da Manu deveriam ser brinquedos usados dos coleguinhas que eles não usavam mais, foi um sucesso porque o brinquedo chega com um lindo valor emocional.
3. Brinquedos sustentáveis, ecológicos ou que tem algum cuidado e preocupação com a sustentabilidade. Esta loja em Pinheiros tem algumas opções legais.
4. Brinquedos de sucata e upcycle. O instagram da Estefi Machado traz milhares de ideias legais para se fazer brinquedos usando coisas que se tem em casa ou sucata. A Clara trouxe duas ideias super legais nesse video do Tiktok.

 

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