O que esperar da próxima Conferência do Clima

As Conferências do Clima (ou COPs) servem para que os países signatários da ONU avaliem e monitorem as mudanças climáticas e estabeleçam metas para reduzir o aumento na temperatura global. Na última COP muito se debateu sobre: perdas e danos (estragos dos eventos extremos); mitigação e adaptação (como se preparar para esses eventos extremos para que seus efeitos sejam menos devastadores) e financiamento climático, ou seja, quem arcará com os custos dos impactos e quem receberá esses montantes. Esses continuam sendo os temas principais em pauta.

A próxima COP, de número 28, será nos Emirados Árabes Unidos em Dubai (se a geopolítica atual permitir), e um dos assuntos a entrar nas discussões é a redução — e futura eliminação — no uso dos combustíveis fósseis.

Falta um pouco menos de dois meses para a COP 28, que será em novembro e a LACLIMA, rede de advogados pelo clima, promoveu um bate-papo para falar sobre a questão dos combustíveis fósseis nas negociações. Importante ressaltar que o presidente da próxima COP é o CEO de uma empresa petrolífera e o país-sede é exportador desse combustível.

Segue abaixo alguns destaques desse bate-papo, conhecido como “COP Talks”, que você pode acessar na íntegra por aqui.

Délcio Rodrigues, do ClimaInfo:

Já se passaram oito anos do Acordo de Paris, que foi um sinal importante para a economia global, mas mesmo assim continuamos num aumento de emissões de gases de efeito estufa.

Estamos rumando para um aumento de 3 °C acima dos níveis pré-industriais, sendo que os cientistas dizem que o mundo não deveria esquentar mais do que 1,5 °C. Hoje já estamos num aumento de 1,1 °C e olha só o quanto de eventos extremos estamos presenciando: secas extremas como a da Amazônia, incêndios brutais como os do Canadá e Havaí, tempestades de calor como as da Europa. São eventos semelhantes — ou até piores — aos que eram previstos para um aumento de 1,5 °C, o que seria mais ou menos em 2040. Ainda assim, estamos numa trajetória de emissões crescentes.

A população mais afetada é sempre a mais pobre. Geralmente pretos e periféricos.

“Apesar da gente não ter conseguido ainda chegar num ponto de inflexão da curva de crescimento de emissões, muita coisa aconteceu. Algumas indústrias, setores industriais, avançaram muito, por exemplo, a indústria automobilística. Todos os investimentos da indústria automobilística vão no sentido da eletrificação. O setor de combustíveis fósseis no transporte é importante. Na geração de energia, também, o avanço tecnológico na geração eólica e solar foi impressionante nos últimos anos.”

O avanço das baterias também foi grande, do hidrogênio verde também, mas nada disso está sendo o suficiente.

Por outro lado, o contexto geopolítico está atrapalhando bastante esses avanços. Houve todo um rearranjo no mercado de energia por conta da guerra na Ucrânia, por conta da insegurança energética. Quem estava produzindo pouca energia a gás, passou a produzir mais, etc. A geopolítica atual não está auxiliando na eliminação da dependência de combustíveis fósseis, está, de fato, atrasando essa agenda. A guerra de Israel contra o Hamas tende a piorar ainda mais essa situação, aquela região é bastante importante de produção de petróleo.

“Embora a gente tenha tido uma sinalização importante no Acordo de Paris, com os avanços e tal, a gente está enfrentando um contexto geopolítico extremamente complicado que tá implicando em mudanças muito rápidas dentro do próprio setor energético global. E essas mudanças, por incrível que pareça, estão tendendo a aumentar a produção de combustíveis fósseis.”

Foto da UNFCCC de indígenas brasileiros na COP 27

Caroline Prolo:
Um dos argumentos dos países produtores de petróleo é que as emissões da produção de petróleo não são significativas quanto as emissões da queima dos combustíveis fósseis, lá na outra ponta. Ficamos com esse impasse sem que muita coisa aconteça.

Quando os governos estão nessas negociações multilaterais mundiais, eles não representam os interesses de suas populações, mas sim o interesse do grande capital.

“Eu não acredito que a gente vai conseguir resolver isso através do multilateralismo sozinho. A coisa vai mudar a partir da política nacional. Ou seja, se as populações mais vulneráveis, que tão cada vez mais conscientes dos desastres, dos impactos gerados, se esse processo criar um movimento político capaz de obrigar os governos a tentar fazer esse acordo, eu acho que é só assim [que o cenário mudará].

A solução para a questão do petróleo, é uma solução global, não é uma solução nacional. Todos os países devem, juntos, pressionar para haver uma eliminação na dependência desse combustível.

O Lula quer ser um líder global na questão dos acordos climáticos, e tem com sua equipe trabalhado para combater o desmatamento, mas ele quer explorar petróleo. Não vejo tanta contradição, ele até pode continuar explorando um pouco de petróleo por aqui, mas ele precisa, na condição de presidente do G2o, na condição da presidência dos Brics, da presidência da COP30, o Lula precisa provocar essa discussão: ‘vocês não concordam que precisamos reduzir esse combustível? Como vamos fazer?’. Não adianta o Brasil não explorar se os outros países continuam explorando. Ele precisa trazer esse diálogo.”

Stela Herschmann, do Observatório do Clima:

Na COP 26, 2021, foi a primeira vez que observamos a menção a um combustível fóssil, o carvão.

Essa próxima COP pode ser considerada a COP do petróleo, seja porque tá acontecendo num país petroleiro e com o presidente CEO de uma empresa de petróleo, mas também porque existe a possibilidade de se discutir a eliminação. A discussão de sobre um mundo sem combustíveis fósseis vem sendo aflorada.

“Enquanto em Glasgow a decisão foi inédita, vários países não queriam que isso fosse incluído, já na decisão da COP27 mais de 80 países já estavam dando apoio para a inclusão da menção de combustíveis fósseis, então é isso que eu quero dizer, eu acho que é uma discussão que tá ganhando momento tá ganhando tração, muita pressão da sociedade civil internacional, então a gente tem visto movimentos nesse sentido.”

A COP ela não acontece isolada no mundo, ela não tá numa bolha, ela é influenciada por todo esse caldo político. “Essas decisões da COP, elas não acontecem isoladas do mundo, das decisões internacionais, (…) quando a gente vê uma manifestação do G2o, por exemplo, é quando a gente vê que existe uma aceitação maior dessa linguagem e que a chance disso acabar entrando numa decisão da COP acaba aumentando.”

Rubens Born, Fundação Esquel:

A questão dos combustíveis fósseis sempre esteve presente. No fundo, o regime multilateral sobre mudanças do clima é sobre mudanças estruturais em desenvolvimento, não só em combustíveis fósseis, mas em outras áreas.

“Pessoalmente, eu acho que o princípio das responsabilidades comuns porém diferenciadas do ponto de vista jurídico, é um princípio importante. O problema não está no princípio, está no descumprimento das obrigações diferenciadas que decorriam nos países desenvolvidos e também no descumprimento pelos países em desenvolvimento, (…) Então tem uma inércia triste e lamentável.”

 

 

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