Um futuro para a Amazônia

As discussões a respeito da forma de manejo e gestão da Amazônia, nas últimas décadas, vêm sendo tomadas por duas visões conflitantes: a primeira, de conservação do bioma e a segunda, de desenvolvimento por meio de atividades como a produção de grãos e a pecuária. 

A via de conservação da Amazônia entende como primordial a manutenção de áreas intactas, protegidas por meio de unidades de conservação e territórios indígenas. Entende também que a conservação de florestas tropicais é fundamental para a preservação da biodiversidade, manutenção do clima e dos regimes de chuvas, além do equilíbrio ecossistêmico (“Conservação, Dinâmica de Sistemas Naturais e Aspectos Econômicos” CASAGRANDE, Rodrigo; DA SILVA, Júlio César. FGV).

Entretanto, o modelo de conservação atual tem se mostrado incapaz de proteger a Amazônia das ações antrópicas e mudanças climáticas. De acordo com dados do Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD), trazidos pelo Imazon, só de janeiro a novembro de 2021 o bioma perdeu o equivalente a sete vezes a cidade de São Paulo (Imazon. 21 de dezembro de 2021, disponível em: https://bit.ly/3f3wDda Acesso em: 7 janeiro 2022). Os dados mostram que o desmatamento também ocorre em áreas protegidas. Esse índice vinha aumentando desde o início do governo de Jair Bolsonaro. Atividades como agropecuária, extração ilegal de madeira, garimpo, grilagem, desmatamento e incêndios além das próprias mudanças climáticas têm sido cada vez mais fortes e vem reduzindo o tamanho da floresta. Pode-se concluir, portanto, que a via de conservação sozinha não é suficiente para preservar a Amazônia, nem trazer desenvolvimento sustentável para a região.

É importante lembrar que o último censo do IBGE apontou que 47,4% da população do Amazonas vive abaixo da linha a pobreza (IBGE, 2019), mostrando que a situação social na região tampouco é satisfatória.   

Na outra ponta temos a segunda via, que se trata de defender um desenvolvimento baseado na exploração de recursos naturais, com a agropecuária e mineração. Essa visão esbarra com as problemáticas do próprio capitalismo já que precisa se manter em eterna progressão, colocando em risco as fronteiras agrícolas, pois para crescer precisa de mais território, aumentando assim o desmatamento. 

A exploração da região também esbarra na questão da crise climática. Em 2019, as mudanças no uso do solo e o desmatamento juntos responderam por 44% do total das emissões brasileiras de Gases de Efeito Estufa, segundo a Análise das Emissões Brasileiras de Gases de Efeito Estufa, feita pelo Observatório do Clima em 2020. Proteger o bioma é importante inclusive para a meta mundial de limitar o aumento de temperatura da Terra em até 1,5ºC conforme aponta a ONU (“COP 26: Metas nacionais atualizadas ainda levam a aumento de 13% nas emissões”. 9 novembro 2021. Disponível em: https://bit.ly/3HQSLE3 acesso em 7 janeiro 2022).

Além disso, o aumento das fronteiras agrícolas para maior produtividade na produção de alimentos não tem sido recurso para redução da fome no país, visto que a produção de commodities tem sua função principal a exportação e, conforme a BBC Brasil, a fome atinge 19 milhões de brasileiros. (“Não é só efeito da pandemia: por que 19 milhões de brasileiros passam fome”. 28 junho 2021. BBC Brasil. Disponível em: https://bbc.in/3eZQ2LY Acesso em: 7 janeiro 2022). 

A exploração da Amazônia, como é feita atualmente, gera concentração de renda, não resolve os problemas sociais da região e tem um alto impacto ambiental. 

Pode-se concluir que as duas vias que concorrem no debate de conservação e desenvolvimento da Amazônia não enxergam valor na biodiversidade da floresta e nem possibilidade de um desenvolvimento sustentável que traga benefícios para a região, emprego e conservação da floresta em pé. É neste cenário que surge a Amazônia 4.0/ Terceira via. 

A proposta da Amazônia 4.0 ou Terceira Via consiste em agregar valor aos produtos da biodiversidade amazônica (como o açaí, cacau e cupuaçu) por meio da implementação de tecnologias físicas, biológicas e digitais da quarta revolução industrial. Conforme o artigo escrito pelos irmãos Ismael e Carlos Nobre no periódico Futuribles, de 2019, trata-se de: 

“Um modelo que utilize todo o conhecimento propiciado pelas ciências, pela tecnologia e pela inovação e planejamento estratégico para o florescimento de uma bioeconomia.” (Futuribles em Português. Número 2. Plataforma Democrática. Setembro de 2019. P. 11)

Essa proposta aspira trazer bioindústrias para a Amazônia, fornecendo produtos de valor agregado, ou seja, produtos que possam ser aprimorados e alavancados na própria região, além de empregos e inclusão social. 

Ainda segundo o periódico Futuribles, a indústria 4.0 é caracterizada por: “sistemas ciberfísicos, internet das coisas, redes de comunicação, Inteligência Artifical, convergência de tecnologias biológicas computacionais, digitais e materiais.” A ideia é usar essas novas tecnologias em bioindústrias na região amazônica, beneficiando as comunidades locais e trazendo mais proteção ao bioma. 

Por mais que os desafios de investir na Amazônia sejam muitos, as tecnologias em questão serviriam para auxiliar na superação dessas questões. Um exemplo disso são robôs que podem mapear e enviar informações amazônicas para regiões distantes, sem que profissionais precisem realizar viagens e coletar dados in loco. 

O conceito da Amazônia 4.0 inaugura um modelo de desenvolvimento sustentado ao conseguir aliar a conservação da primeira via com a exploração da segunda via, resultando em desenvolvimento econômico com a floresta em pé, rios fluindo e impacto positivo para as comunidades locais. Nunca na história foi colocada em prática na Amazônia uma iniciativa que coloca a biodiversidade no centro do debate como agregadora de valor econômico através da mais alta tecnologia. 

Ao trazer a possibilidade de agregar valor a produtos da biodiversidade que já são vendidos e explorados lá fora, as indústrias se voltarão a um desenvolvimento sustentável. Trata-se de converter o mercado de atividades predatórias, ilegais, que geram desmatamento para atividades que geram um extrativismo agroflorestal sustentável, economicamente rentável, com distribuição de renda. O impacto desse modelo é altamente positivo. 

Desta forma, a Amazônia passa a ser vista como uma espécie de “galinha dos ovos de ouro” que precisa ser mantida viva para dar “frutos” de alto valor agregado de forma globalizada. Os donos do capital, ao entenderem o valor da floresta em pé, farão o que puderem para conservá-la e manter o sistema em funcionamento. Haverá mais fiscalização, mais punição para os desmatadores e todos os olhares estarão mundialmente voltados a cuidar e preservar o bioma, garantindo a perenidade da floresta. É usar o capitalismo a favor da conservação.

Enquanto o valor da floresta para a biodiversidade e a vida humana nunca foram suficientes para trazer mais conservação para o bioma, o valor econômico dos produtos vindos da floresta poderão fazer o cenário mudar. 

Referências bibliográficas:

– Desmatamento da Amazônia. Imazon. 21 de dezembro de 2021, disponível em: https://bit.ly/3f3wDda Acesso em: 7 de janeiro 2022
  Conservação, Dinâmica de Sistemas Naturais e Aspectos Econômicos. CASAGRANDE, Rodrigo Moreira; DA SILVA, Júlio César. FGV.
  Análise das Emissões Brasileiras de Gases de Efeito Estufa. Observatório do Clima. 2020. Disponível em: https://bit.ly/33af1JR Acesso em: 7 de janeiro de 2022
– “Não é só efeito da pandemia: por que 19 milhões de brasileiros passam fome”. 28 de junho de 2021. BBC Brasil. Disponível em: https://bbc.in/3eZQ2LY Acesso em: 7 de janeiro de 2022
  “COP 26: Metas nacionais atualizadas ainda levam a aumento de 13% nas emissões”. 9 de novembro de 2021. Onu Brasil. Disponível em: https://bit.ly/3HQSLE3 Acesso em 7 de janeiro de 2022
  Futuribles em Português. Número 2. Plataforma Democrática. Setembro de 2019. P. 11

Qual testamos?

Artigo completo sobre o projeto Amazônia 4.0 dos irmãos Nobre: https://www.plataformademocratica.org/Arquivos/Futuribles2/Futuribles2_ProjetoAmaz%C3%B4nia4.0.pdf

 

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