O texto a seguir foi escrito pelo fotógrafo documental e repórter ativista João Paulo Guimarães (@joaopaulofotografia).

O João nos procurou dizendo que tinha feito uma visita a um quilombo no Belém do Pará e que havia se encantado com a sabedoria ancestral do local e a relação com o alimento. Nós já o conhecíamos por conta do trabalho lindo e poético que encontramos no Repórter Brasil a respeito das queimadas no Pantanal. Vale a pena ler aqui.

Ele então nos enviou o texto e as imagens sobre o quilombo e achamos que esse material merece ser lido por mais gente. Há muitos ensinamentos antigos, lições sobre ervas e frutos e reverência à natureza.

Boa leitura.

O QUILOMBO DO ABACATAL
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O Quilombo do Abacatal faz esse ano 311 anos e fica situado na região metropolitana do Município de Ananindeua, que tem apenas 77 anos. Para se chegar no território quilombola é preciso atravessar a cidade de Belém do Pará, mas não a cidade dos cartões postais. A metrópole agressiva, acimentada, barulhenta, poluída e miserável.
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O Território do Abacatal foi criado em 1730 e tem aproximadamente 520 pessoas. Em 1999 recebeu a Titulação Coletiva através dos estudos antropológicos da UFPA possibilitado por um levantamento histórico e científico.
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Fui até o Abacatal para produzir uma pauta de cunho de denúncia. O tipo de pauta pesada que envolve o descaso do estado com os povos ancestrais. São criminosas as agressões que o progresso aflige. isso é recorrente, histórico e está longe de acabar.
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No entanto, ao chegar no território, é possível ver a beleza do modo de vida dessas pessoas através das gentilezas nos olhares e no falar. Sua religião que envolve o amor e respeito me convidam para apresentações e reverências. Me senti mágico e sagrado. Acolhido.
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Dessa forma, envolto, percebo o apreço claro desse povo pelo modo de alimentação saudável, auto-sustentável e inteligente. Um ciclo agroecológico de saberes que encontram barreiras criadas por preconceitos.
Espero poder romper um pouco desse preconceito através da sabedoria de Makìní:
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“Namastê Ojirê. 
Sou Makìní neste tempo e nesta era. Reconhecida como uma Iaô da fala e do Okan.
Que meu axé de fala seja de muita gratidão e o de escuta seja de respeito”.
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Makìní se apresenta para a câmera e inicia sua fala sobre o processo utilizado por ela na produção da horta que faz parte de vários complementos. As etapas envolvem a criação de galinhas, de onde se retira o adubo usado na produção de hortaliças e ervas medicinais.
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Na plantação quilombola não existe monocultura no fazer ancestral. Em uma pequena área  se cultivam o açaí, o murucí, cupuaçu, biribá, a bacaba, maracujá e mais uma infinidade de plantas dentro de sua produção vivendo em consórcio e harmonia. A produção inteira livre de agrotóxicos e pesticidas. Do alto de uma palmeira de pupunha ela e o marido catam um cacho maduro para o café da tarde.
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Ela me apresenta seus maiores sucessos. A alface lisa e crespa, o cheiro verde, a couve medicinal que traz um rendimento maior para a saúde do que as couves convencionais e o preferido dos paraenses. O Jambú: erva utilizada no tacacá, que deixa a boca tremendo e anestesiada.
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“Nós temos o jambú que é o nosso jambú né. O digno da terra. Não é aquele ruim de feira que tem a folha maior e é mais mole. O nosso é mais resistente.”
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Makìní continua falando que tudo na produção precisa ser pensado e entendido, pois a alimentação não é apenas para o corpo e sim para o espírito.
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Para eles na comunidade o comer é algo maior e por isso a base da alimentação precisa ser respeitada. No Quilombo do Abacatal não se come só por comer e sim para se curar. Tudo está interligado. Corpo, espírito e saúde elevados.
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O orégano é cultivado e usado para cura também, a arruda é utilizada nos banhos de limpeza que purificam o corpo e a alma, o espinafre é chamado de “Comida do Popeye” – o marinheiro dos desenhos animados, que ao precisar de força extra abre uma lata com a hortaliça. São várias as ervas na horta de Makìní, mas a que chamou mais a atenção foi a Terramicina.
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TERRAMICINA
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A planta é a base de incontáveis medicamentos à venda nas farmácias e seu chá, sem contraindicações, serve para dores de cólicas menstruais, combate à tosse, é digestiva e depurativa para problemas gástricos. Diurética, ajuda na retenção de líquido e combate a celulite, combate a cistite que é a inflamação da bexiga ou infecção urinária.
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Também tem ação de antibiótico, combate inflamações, favorece o sistema imunológico além de muitos outros benefícios naturais. Depois da Terramicina ela nos apresenta outras ervas populares das farmácias.
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Há o hortelã e o vicky, ervas que são frequentemente consumidas no território nesses tempos de pandemia, mas que não podem ser utilizadas em exagero para preservar também a saúde da erva.
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“Esse daqui é o nosso vicky. Ele tá bem malinado (malinar; abusar de algo ou alguém) porque no período de pandemia a gente toma bastante chá e eu faço bastante xarope, aí então tem que começar a pegar os outros porque não pode malinar demais da planta né. Ela também sofre com isso.”
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Makìní fala que a mirra está presente na horta, mas que não existe o consumo da mirra como alimento e sim como componente de seus banhos de limpeza. Alimento para o espírito.
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“Nós temos o cominho em planta. Esse é o nosso cominho. São algumas coisas que a gente tem aqui na horta que é nossa de quilombo e de tradição. São culturas que foram esquecidas e que a gente vai mostrando aos poucos pras pessoas que a gente já fazia isso antes. São séculos de história mostrando que a gente já usava isso. Tanto o Jambu quanto o cominho são de territórios tradicionais.”
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Makìní ministra uma aula gastronômica e espiritual sobre os benefícios de ervas, plantas, verduras e legumes presentes na sua horta que lhe traz um orgulho óbvio.
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Ela passa suas mãos por entre as ervas como se fizesse um carinho ao passar pelas plantas que tanto fizeram por ela e pela comunidade na época da pandemia, onde seus saberes ancestrais sobre os benefícios do suco de pirarucu branco e do mastruz foram colocados em prática.
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Saberes de sua cultura, uma riqueza que traz um costume do viver saudável, que ela agradece por manterem vivos e longe de preconceitos. Não há espaço para as limitações no universo agroecológico da quilombola.
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Tudo é válido e bem-vindo desde que traga resultados positivos para serem adicionados em sua horta de origem orgânica. Tudo, menos os agrotóxicos e defensivos químicos. Desses elementos venenosos Makìní quer distância. Nós também.
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