O Plástico e a Saúde Humana – Parte I

Estamos mergulhados no plástico: há plástico no ar, no solo e na água.

Já podemos montar um verdadeiro dossiê sobre o plástico! Falamos sobre os problemas para o meio ambiente, sobre a lei que proíbe os descartáveis, sobre o futuro desse material e muitos outros assuntos relacionados. Hoje, vamos trazer uma entrevista para relacionar o plástico com a saúde humana.

Conversamos com a dra. Thais Mauad, professora associada do departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da USP. A Thais foi uma das pesquisadoras que descobriu microplástico no pulmão humano de forma inédita no mundo.

Segue a entrevista abaixo. Em breve iremos colocar no nosso podcast também para quem preferir escutar.

Verdes: Thais, você é médica patologista na USP, certo? Eu gostaria de entender como você chegou a esse esse estudo com plásticos, como foi essa conexão?

Thais Mauad: Eu sou médica patologista e patologista é aquele que estuda os tecidos dos humanos, dos animais. A gente costuma entender as doenças a partir das manifestações dos tecidos, e eu comecei há alguns anos, no laboratório do dr. Saldiva, a trabalhar com poluição do ar e desenvolver estudos onde a gente olhava qual o papel da poluição do ar em animais e mesmo alguns estudos em humanos. Isso se somou um pouco com a minha atividade, vamos dizer, pessoal, como ativista da área ambiental e acabei fortalecendo essa veia desses estudos que a gente está fazendo nos últimos anos. Então a gente estuda áreas verdes, estuda outros aspectos da poluição e acabou – junto com um aluno que agora tá na Alemanha, o Luis Amato – desenvolvendo esse estudo dos microplásticos. Como a expertise nossa é com relação ao ar, que a gente já trabalhava com poluição do ar, a gente resolveu então entender como era a questão do microplástico no ar, que é uma das maneiras da gente se contaminar. E foi daí que surgiram os diversos estudos que a gente fez que você deve ter visto.

Verdes: E foi um achado científico inédito, né?

Thais Mauad: Isso, foi o primeiro do mundo. Nós somos os primeiros no mundo a achar… o Luis, que foi o primeiro autor do estudo, hoje ele tá em Berlim estudando microplástico, o trabalho do Luis foi o primeiro no mundo a achar microplástico no pulmão. Então a gente já sabia que tinha no ar, a gente já tinha essa noção, porque tinham saído estudos em vários países do mundo mostrando que tinha microplástico no ar e a gente falou “bom, se tá no ar, a gente tá respirando e se está respirando tem alguma chance de isso estar chegando no pulmão”. E realmente a gente mostrou que partículas pequenas ou mesmo algumas fibras chegam no pulmão.

Verdes: Antes de vocês encontrarem no pulmão já tinha sido encontrado em outras partes não é? Até nas fezes…

Thais Mauad: Já. Já tinham encontrado se não me engano na placenta, então significa que isso circulou pelo sangue da mãe e se alojou na placenta, onde mais? Na época que a gente estudou acho que no fígado, algo assim, alguns outros órgãos. Nas fezes também mas não necessariamente isso significa que ele é absorvido né. Porque onde a gente mais entra em contato é realmente pela alimentação. Pela deposição do ar que cai no alimento, pela própria embalagem dos alimentos. Tem estudos que falam que a gente está comendo bastante microplástico.

Verdes: Falam que é um cartão de crédito por ano de plástico que ingerimos. [Correção: é um cartão de crédito por semana, segundo um estudo da WWF]

Thais Mauad: É bastante plástico. A pergunta é: quanto disso é absorvido e quanto passa pelas fezes? Tem muita gente estudando isso, então que tamanho de partícula precisa ter, ou que formato de partícula precisa ter para conseguir que o epitélio intestinal absorva, quer dizer, ponha pra dentro. O estudo mais importante pra mim desses que saiu é o do sangue, porque assim, se tem no sangue circulando, é porque ele já atravessou, seja o pulmão, seja o intestino, seja qualquer outra barreira e chegou no sangue em excesso para ele estar circulando né, então pra mim é o estudo que dá mais… vamos dizer… amedrontador do que isso pode vir a causar, ter uma partícula totalmente estranha no seu corpo circulando o tempo todo, como é que o seu sistema imunológico vai encarar isso. Pra mim é o estudo mais… alarmante, digamos assim.

Acabou de sair um outro bem bonito também que injetaram nanoplástico em embriões de galinhas – é um estudo holandês – e viram muitas má-formações fetais. É um estudo também bem interessante.

Verdes: E como foi feito esse estudo de vocês?

Thais Mauad: Como somos patologistas, nós temos acesso a material de autópsias, de pessoas que faleceram, e que foram autopsiadas no Hospital das Clínicas aqui onde eu trabalho. No serviço de verificação de óbitos,  na verdade, que é um serviço ligado a Universidade, onde os óbitos não esclarecidos acabam sendo encaminhados. Nisso, a gente conseguiu selecionar – obviamente os familiares concordaram, tudo feito com a comissão de ética e acordo das famílias – de ceder um pequeno pedaço do pulmão que foi retirado durante o ato da autópsia e a gente fez os procedimentos para procurar microplástico. Então não tinha uma profissão específica, era qualquer pessoa que morasse em São Paulo e que falecesse e que a família topasse ceder um fragmento do pulmão foi analisado. Foram 20 pacientes e foram achados em 13 deles foi achado plástico no pulmão.

Alguns aditivos dos plásticos são cancerígenos e outros disruptores endócrinos, ou seja, simulam hormônios.

 

Verdes: Eu estava lendo que existem mais de 5 mil tipos diferentes de plástico, e parece que a gente categoriza sete tipos diferentes…

Thais Mauad: É assim: os polímeros, que é o que faz os plásticos, a gente acaba categorizando nesses 7 que é meio pensado na forma e a gente tá acostumado a pensar no descarte, como a gente vai descartar. Esse número na verdade é o número do tal do descarte, que a gente vê, aquele “triangulinho” e tem o número dentro. Existem vários tipos de polímeros, são mais que sete… Mas o problema do plástico, o problema ambiental e vamos dizer de saúde também é que pra ele tem essas características, de cada plástico, então sei lá, para ser maleável, para ser colorido, para a resistência a chama, para não quebrar, enfim, para ter o formato que ele tem, são colocados muitos aditivos. Aí tem uma lista de mais de mil, acho que beira 10 mil aditivos, que esses aditivos – não só o plástico, mas os aditivos também podem ser um problema de saúde ambiental e humana. Porque muitos desses aditivos são metais pesados, muitos desses aditivos são substâncias que a gente sabe que são ou cancerígenos ou disruptores endócrinos. Então não é só o plástico mas é tudo que vem junto dele. Outro problema são os impactos ambientais. Quando o plástico degrada no ambiente, o que vai acontecendo com ele? Ele vai quebrando, quebrando, quebrando e vai expondo todas essas substâncias, todos esses aditivos, ele vai sofrendo oxidação, ele vai sofrendo… matérias vão grudando nele e fazendo uma coisa tipo um biofilme, então o plástico hoje ele é um carreador de patógenos, que a gente não sabe direito o que ele tá carregando. A maioria dos estudos, eles estudam essas partículas que a gente chama virgens. Então uma partícula de polietileno, por exemplo, [os estudos se referem a uma partícula] que não sofreu o impacto ambiental, de ficar no calor, na água… que vão fazendo todas as mudanças físico-químicas no polímero. Então, além de tudo, a gente não sabe muito bem ainda o que essa mudança desse plástico pode causar.

Verdes: Você falou que alguns desses ingredientes que são colocados ali para dar as características eles são disruptores endócrinos, isso, traduzindo, é uma característica que pode alterar os hormônios, não é isso?

Thais Mauad: O disruptor endócrino ele simula um hormônio, então ele tem a capacidade de se aderir aos receptores dos nossos hormônios, tipo um “estrógeno-like”, uma coisa assim, se eu for ser bem simplista, e isso pode induzir a alterações endócrinas, então tem estudos de puberdade precoce, mesmo em feto alguma má formação… O mais famoso é o BPA, aquele aditivo que tem em alguns plásticos que foi proibido em mamadeira, mas acho que tem um monte de outras coisas que tem BPA

Verdes: Inclusive brinquedos né

Thais Mauad: Isso, essas coisas que vem da China que compra, que você não sabe o que é… além de gerar um lixo absurdo, sabe-se lá que plástico você está comprando.

Verdes: Pelo que eu tô entendendo tá tudo meio em fase de estudo ainda [com relação a saúde]

Thais Mauad: Então é novo né, se você for considerar o cigarro, se você for considerar a poluição do ar… Agora que tá tendo um boom de literatura, as pessoas acordaram para estudar isso, mas se você for fazer um estudo de microplástico há 10 anos é capaz de não ter muito estudo, não ter quase nada. Hoje já tem um boom de gente estudando todos os aspectos, os estudos começaram por quem estudava mar, obviamente. Começaram a ver o impacto disso nos animais marinhos, aquele animal que tem um tubo digestivo finíssimo que entope com uma partícula de microplástico, começou a ter estudos na cadeia alimentar dos peixes, como isso chega e aí depois começou a se perceber que o plástico tava em todo lugar, não era só no mar. Começou a se perceber que tava no ar, começou a se perceber que você ia na Antártida e tem partícula de plástico, você vai no deserto do Saara, tem partícula de plástico na areia. Então se começou a perceber da universalidade do microplástico e os estudos começaram a estourar, né, todo mundo começou a estudar que outros ambientes, então no solo, por exemplo hoje a gente sabe que tem muito plástico no solo. O tratamento do resíduo por exemplo, onde o pessoal joga lodo do resíduo na agricultura… a própria agricultura que faz plasticultura [é um termo que faz referência ao amplo uso dos materiais plásticos na agricultura intensiva mundial. Fonte: Ecycle.com.br]  que enche os campos de plástico, isso daí tem um impacto pro solo que a gente ainda não sabe. Pra própria planta a gente ainda não sabe como que isso vai degradar, ou então daqui a 50 anos como que esse acúmulo de plástico que a gente tem, como que isso vai estar né. Então tem muita coisa para estudar. Já se sabe bastante coisa, a gente já tem muita noção de que, principalmente essa noção dele estar em todo lugar, que ele está dentro do nosso corpo, essa noção se consolidou bastante agora nos últimos anos.

Verdes: Ele não é Deus, mas é onipresente. Risos. Então o que pode estar acontecendo é que pode ter muita gente com problemas de saúde ocasionados por essa exposição ao plástico mas a gente não pode cravar isso?

Thais Mauad: Isso, o problema desses estudos de associação ((falhou o som)) a gente sempre teve o negacionismo da indústria do cigarro, o negacionismo da indústria fóssil e agora o negacionismo do plástico, querendo dizer que não… A gente publicou um material e o Ruiz, que era o presidente da Fiesp na época, falou que plástico era só Carbono e Hidrogênio e não fazia mal. O presidente da Fiesp falou isso na época, então você vê como a indústria fóssil ela é assim, poderosa e faz um lobby violento. As vezes que se tentou tirar sacolinha de mercado foi um lobby violento da indústria plástica e a população acaba apoiando também – ninguém sabe por que tem que ter a tal da sacolinha – mas enfim, essa falta de visão assim me deixa um pouco assustada.

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