A Península de Maraú e o retrato do lixo no Brasil

Eu, Clara, acabei de voltar da Península do Maraú, na Bahia, e passei por uma experiência transformadora. Não por conta de toda beleza da península, nem por conta de todos os projetos bacanas que conheci, mas porque eu visitei um lixão pela primeira vez na vida. Foi um soco no estômago.

Fiz essa viagem porque a minha amiga se mudou para a Bahia e eu fui visitá-la. Fiquei absolutamente encantada porque Maraú é um paraíso. A Gabi se mudou atrás de um estilo de vida mais simples, saudável e conectado com a natureza e lá, além de proporcionar isso, ainda é cercado de beleza por todos os lados.

Logo que eu cheguei já vi a Gabi enterrando o resíduo orgânico no mangue onde ela mora. Quando perguntei o que acontecia com o lixo comum – e consequentemente com aquele saquinho descartável que eu tinha na mão – veio o choque: “vai para o lixão de Taipu de Fora, amiga.” Oi, lixão? Não há tratamento de resíduo? Parecia impossível que o poder público de um lugar tão paradisíaco desse as costas para uma questão tão séria quanto a do resíduo de toda península. E onde fica esse lixão? Podemos visitar? Ele fica em um terreno aberto perto da BR-030, inclusive o lixo já invade a rodovia, e qualquer um pode visitar.

Alugamos um quadriciclo e fomos, pois Taipu de Fora fica a cerca de 20 kms da praia de Algodões, onde minha amiga mora. O caminho é também um passeio, pois pegamos uma trilha conhecida pelas bromélias gigantes e é uma região onde há muitos hotéis de luxo, pousadas e casas. Começou a chover no meio do caminho e passamos frio, mas chegando lá a chuva passou e pudemos tomar um pouco de sol nas lindas piscinas naturais de Taipu.

Depois de almoçar, seguimos até o lixão. A Gabi me falou que não tinha tanta certeza onde era a entrada, mas não foi preciso certeza, os sacos de lixo na beira da estrada logo denunciaram a entrada. É impressionante a quantidade de sacos plásticos, urubus, gatos feridos, moscas e pedaços de coisas. Fiquei com vontade de ligar para todas as empresas que conseguia identificar nos rótulos das coisas: “Alô, Coca-cola, estou aqui com um problema que você trouxe ao mundo…” tinha também muitos pacotes de margarina Deline, pacotes de salgadinho Mikão, pedaços de Havaianas e protetores solares da La Roche Posay.  De marcas populares a mais caras, são todas responsáveis por aquela montanha de lixo, já que são elas que escolhem onde vão armazenar seus produtos.  

O lixão de Taipu de Fora recebe cerca de 5 mil toneladas de lixo por ano, cerca de 15 toneladas por dia, de acordo com as responsáveis pela iniciativa Península Lixo Zero, de redução de resíduos em Maraú.

Essa iniciativa inclusive tem um centro de compostagem (transformação de resíduo orgânico em adubo) chamado Vila Circular, que consegue tirar média de 8 toneladas de resíduos levados ao lixão.

Se a responsabilidade é das indústrias, qual é o meu papel nisso?

O nosso papel é diminuir a quantidade de lixo que produzimos. Nosso poder está nas nossas escolhas. É optar por uma embalagem de vidro no lugar de uma plástica (a qual poderemos reutilizar depois), é comprar em feira orgânica ao invés de supermercados (cujos produtos vem em embalagens), é escolher bebidas em lata (quase 100% recicladas no Brasil) no lugar de outras embalagens, escolher gerar menos lixo.

Falamos sempre dos 5 R’s da sustentabilidade: reduzir, recusar, reutilizar, repensar e reciclar. Reduzir o consumo, recusar embalagens plásticas e descartáveis, reutilizar embalagens e o que der para ser reutilizado, repensar a necessidade de consumir e, por último, reciclar. A reciclagem é uma ferramenta importante e necessária, porém ainda é menos eficiente do que os outros R’s. Trago abaixo duas citações importantes do Atlas do Plástico que dizem respeito a reciclagem do lixo plástico, já que o lixo plástico é uma parte muito grande – quiçá a maior – do problema:

“Apenas aumentando a reciclagem não resolveremos as questões do lixo, é preciso agregar mais estratégias. Diminuir a produção de plástico é uma delas.” (Atlas do Plástico, pág. 54)

“Atualmente, não existe reciclagem de plástico, apenas reciclagem em ciclo aberto ou subciclagem (downcycling). Toda vez que um pedaço de plástico é reciclado, sua qualidade é degradada. O plástico pode ser reciclado apenas um certo número de vezes antes de acabar no aterro ou no incinerador. Então, o que chamamos de reciclagem de plástico significa, na verdade, apenas adiar o descarte final.” (Atlas do Plástico, pág. 21)

Se a reciclagem, sozinha, não resolve o problema, listamos mais algumas medidas a serem tomadas em conjunto, que chamamos de microrrevoluções:

  • Compostar – trata-se de transformar restos de comida em adubo. Dá para ser feita compostagem seca ou de minhocas usando uma composteira doméstica. A compostagem reduz em cerca de 50% o lixo enviado aos aterros ou lixões. Sempre falamos que comida não é lixo, é natureza e para ela deve voltar. 
  • Comprar de segunda mão – brechós, sebos, antiquários, feiras de usados. Desta forma você evita todo o gasto de energia, de água, emissão de gases, uso de embalagens e transporte. É muito lixo gerado por cada item novo que compramos.
  • Plantar o que puder – ervas, verduras, legumes. Quanto menos o seu alimento precisar viajar para chegar até você, melhor. Talvez não seja possível plantar cenoura, berinjela ou batata doce, mas o que der, plante.
  • Levar ecobag – sacola retornável – para todos os lugares e não só para o supermercado. Nos oferecem sacolas descartáveis em farmácias, livrarias, lojas de roupas, cafeterias, etc.
  • Comprar à granel. Ao comprar em lojas à granel levando o seu próprio recipiente você compra a medida exata que precisa, evita embalagens e fomenta esse tipo de comércio.

Como muito do lixo que produzimos está relacionado à alimentação, tem uma frase no Guia Alimentar da População Brasileira , que resume a melhor forma de ajudar a saúde e o planeta numa cajadada só: “Descasque mais e desembale menos.” Escolher fruta, verdura e legume no lugar de salgadinhos e alimentos ultraprocessados gera menos embalagem e mais saúde.

O problema dos lixões no Brasil 

O lixão da Península do Maraú é só um dos cerca de três mil lixões que existem hoje no país, segundo a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe). E eles são todos ilegais.

De acordo com a Política Nacional dos Resíduos Sólidos, todos os lixões deveriam ser fechados até o dia 2 de agosto de 2014. Esse prazo foi prorrogado muitas vezes e, pelas atuais previsões, cidades com 50 a 100 mil habitantes teriam até o dia 31 de julho de 2020. Já para os municípios com menos de 50 mil habitantes o prazo negociado foi 31 de julho de 2021. O tempo passa e os lixões ficam.

De acordo com o Portal Ecycle, os principais impactos ambientais causados pelos lixões são:

  • Contaminação do solo pelo chorume, líquido tóxico proveniente da decomposição da matéria orgânica;
  • Contaminação das águas subterrâneas com a penetração do chorume no solo;
  • Mau cheiro;
  • Aumento do número de doenças, já que os lixões atraem animais e vetores de doenças;
  • Emissão de gases do efeito estufa, responsáveis pela intensificação do aquecimento global;
  • Aumento do número de incêndios causados pelos gases que são gerados a partir da decomposição dos resíduos depositados nos lixões.

Neste momento não temos como eliminar os lixões do país, mas temos como fazer a nossa parte para diminuir o que é levado para lá. Não temos a solução imediata ao nosso alcance, mas não queremos contribuir com o problema.

 

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